segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

OBSERVADOR IMPARCIAL / DELÍRIO UM/CONTO

OBSERVADOR IMPARCIAL

E as pesadas cortinas do teatro se abriram,
nos mostrando a ferro e fogo a existência em infinitos atos,
em infinitos pratos de iguarias tentadoras.
A dentro! A dentro!

DELIRI0 UM

Sobre suaves ondas sou o aspirar o novo ar, o roçar dos dedos em teu corpo frágil, sinuosa melodia.
Tua imagem se esfumaça em mim, e, em tuas cinzas pousa o meu olhar.

CONTO

0 céu macilento e escuro roncava com momentos de clarões.Não eram trovoadas ainda, nem, tampouco, os clarões eram relâmpagos que riscavamo céu. A tempestade se formava com calma e segurança. Despencaria afinai.
Primeiro, as nuvens, encobrindo a madrugada de estrelas., depois, o vento silenciava como que esperando, ou melhor, dando passagem a chuva que cairia grossa e aliviadora.
As ruas vazias e iluminadas do centro da cidade davam impressão de abandono. Pequenos pedaços de papéis voavam rasteiros com a ajuda de um sopro de vento alheio aos desígnios no céu , continuando a mexer,a tocar no que restou no grande picadeiro. E se perdia em esquinas.
Entidades, elementais urbanos, pequenas entidades. Mágicas.
Tudo estava morno. As bestas, suas moradias, as jaulas, o grande circo, seus papéis. Tudo estava morno. E o tempo bêbado defecava pela boca de um homem atirado entre sacos e jornais na entrada de uma pequena galeria.
Arrotava, cuspia sua importância - A tempo, sou indispensável!
0 hálito da cantoria cambaleante e trôpega do bastardo exalava o seu peito.
Seu coração...aos pulos, estupefaciente.
E nada no mundo o faria mudar de papel. Ele estava certo, era o único que vivia, que usufruia da vida, não apegado a ela, que lhe tornou tão presunçoso. Ele era o salvador, o homem que redimia os pecados, o homem que pedia aos pobres. Os lábios inchados se esgaçaram e a boca se abriu numa gargalhada.
Seus pensamentos... Ah! Seus pensamentos.
Com dificuldade, arfando, levantou-se procurando segurar com uma debilidade aparente o seu corpo embebido em alcóol. Gostava muito dessas sensações, pensou. - Pôr-se em pé, quando as circunstancias exigem que fiquemos deitados.
Sangue frio na velocidade de uma possibilidade qualquer. O limite, o contato com o fim.
É preferível que se sofra uma queda, do que nunca levantar. Embaraçoso, não?
Ensaiou dois passos a frente, deu um para trás e deixou cair o seu peso sobre os sacos de estopas e jornais que o aliviaram do chão duro, da queda. Exibiu seus dentes sujos ao som de gargalhadas que o sacudiam todo.
- Acordem! Acordem! Seus pobres coitados. Andem! Pulem de suas camas! Vamos logo! Hoje eu começo mais cedo.
Dêem-me suas esmolas que os fará dormir outra noite de limpa consciência e ter sonhos que não entendem.
E ria, ria a valer, quase que não deixando-lhe respirar.Sua mão batia na calçada e suas pernas balançavam no ar. Seus olhos escondiam-se por trás das pálpebras. Realmente um todo eu alucinado pela diversão da percepção apurada.
Passou-se algum tempo em que o homem tornou-se o próprio silêncio. 0 rosto queimado pelo sol escondia-se por detrás da barba negra e espessa.
0 olhar penetrante quando semicerrava os olhos, dava-lhe o ângulo exato das coisas. Sabia usar o que possuía e acreditava no que via, trazendo-lhe a consciência de si mesmo e do que lhe rodeava. Ele sabia.
A chuva começara a cair. Os relâmpagos riscavam o céu agitados, seguidos de estrondosos trovões.
0 homem não se abalou, deixou a chuva cair sobre seu corpo, chovesse o que tinha que chover.
Era uma alegria participar de um temporal.
A manhã nascia clara, fresca, trazendo ao centro do dia a dia, os fenômenos, os realismos, os fantásticos, os gritos, o aplauso, a violência, a intolerância, a vaia.
Um movimento iniciava toda uma estranha vida.
0 homem levantou-se, molhado até os ossos, com um sorriso satisfeito.
Caminhou até a rua principal, onde com um silencio cuidadoso, com
concentração, estudou sua estratégia.
Tragicamente atirou-se na calçada, com a voz embargada, implorou:
- Uma esmola ao pobre homem, pelo amor de Deus!
Tilintar de níqueis na calçada. Menos um pecado.
Deus lhe dê em dobro minha senhora, em dobro!
E riu baixo, divertido.

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